Macaíba

"Macaíba terra amada/ Histórica é uma beleza/ Filhos ilustres aqui brotam/ Manancial de nobreza/ Desde a sua fundação/ Desse solo, desse chão/ Tidos como realeza."

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domingo, 1 de janeiro de 2012

Fabião das Queimadas e o "Romance do Boi da mão de pau"

 
Em 1923, Natal conheceu Fabião das Queimadas 

Rostand Medeiros · Natal, RN
Em 13 de dezembro de 1923, o jornalista e advogado Manoel Dantas, com o pseudônimo de "Braz Contente", publicou no jornal "A Republica", uma nota intitulada "Coisas da Terra", onde noticiou que "estava sendo organizada uma grande quermesse, que ocorreria na noite de natal e teria lugar nos jardins do Palácio do Governo. Esta era uma iniciativa de senhoras da sociedade local, que buscavam ajudar o Instituto de Proteção e Assistência a Infância a construir o Hospital das Crianças".
O edifício estava sendo construído na avenida Deodoro, idéia do médico Manoel Varela Santiago Sobrinho para atender às camadas mais carentes da população. Por esta época, eram altíssimos os índices de mortalidade infantil na capital, devido às precárias condições de higiene e do atendimento à saúde pública. Estes problemas incomodaram uma parte da sociedade local, que se disponibilizou a ajudar.
À frente desta iniciativa se destacou a figura da poetisa Palmyra Wanderley, que em 1923 era uma das mais conceituadas intelectuais da terra, possuía uma cultura elevada, vinha de uma família de intelectuais, sendo assídua colaboradora em jornais e revistas, tanto potiguares como de outros estados.
Junto com a liderança de Palmyra, mais de 50 mulheres se engajaram nesta obra. Não deixa de ser interessante que, em meio a uma cidade onde predominava a família patriarcal e o machismo, se observa esta participação feminina. Foi publicada uma lista com os nomes destas participantes, onde se percebe que a grande maioria destas mulheres faziam parte da elite natalense. Um grupo delas chegou inclusive a sair pela Natal de 25.000 habitantes, para vender as entradas da quermesse, pelo preço módico de 2$000 réis.
Como atração principal, Palmyra decidiu não colocar algum artista declamando poesias clássicas, ou algum instrumentista tocando alguma peça européia, ou ainda artistas vindo de outras capitais. Sua decisão foi por um artista potiguar, já com uma certa idade, um poeta que declamava seus versos junto com uma rabeca, além de tudo negro e ex-escravo. Estamos falando de "Fabião das Queimadas".
Fabião Hermenegildo Ferreira da Rocha nasceu escravo, em 1850, na Fazenda Queimadas, do coronel José Ferreira da Rocha, no atual município de Lagoa de Velhos (RN). Começou a cantar durante os trabalhos na roça. Tornou-se tocador de rabeca, tendo adquirido seu instrumento aos 15 anos, com o apoio do dono, que permitia e incentivava que ele cantasse nas casas dos mais abastados da região e nas feiras. Conseguiu angariar algum dinheiro que, aos 28 anos, possibilitou comprar a sua alforria. Era analfabeto, mas criava versos, como o "Romance do boi da mão de pau", com 48 estrofes. Suas composições apresentam traços dos romances herdados da idade média.
Em 1923, Fabião das Queimadas já era conhecido e respeitado no estado, onde no início do período republicano manteve ligações com políticos da terra, emprestando seus talentos ao criar versos que serviam, ora para enaltecer os amigos poderosos, ora para denegrir seus adversários. Já suas apresentações em Natal, aparentemente eram raras ou restritas a residências de particulares que gostavam da prosa sertaneja.
"A Republica", de 19 de dezembro, em novo texto assinado por "Jacinto da Purificação", trouxe uma extensa reportagem sobre o cantador, onde buscavam apresentá-lo a cidade; comentou como no passado Fabião havia conquistado sua liberdade, "que a fama de Fabião corria mundo", mas ressaltou "que o seu estrelato alcançava aquele mundo que não ultrapassava as fronteiras da nossa terra".
Em 1923, a expectativa de vida dos mais pobres no Brasil mal chegava aos 60 anos. Fabião, então, com sessenta e dois anos, era considerado com "ótima lucidez, perfeita memória e bom timbre de voz". Afirmou-se que era "verdadeiramente um desses milagres para os quais a ciência não encontra explicação". Informaram que "aquilo que Fabião chama de sua obra", certamente daria um volume com mais de 300 páginas. Algumas destas obras haviam sido criadas pelo cantador 55 anos antes, em 1868. Para recitá-los ou cantá-los, junto com sua inseparável rabeca, ele utilizava apenas sua privilegiada memória.
Uma passagem interessante comentava que certa ocasião, um amigo mais chegado lhe perguntou como ele criava e guardava seus versos. Na sua simplicidade, o cantador disse que "quando eu quero tirar uma obra, me deito na rede de papo prá riba, magino, magino e quando acabo de maginar, está maginado pru resto da vida".
Chamou atenção do autor do texto como Fabião era um sertanejo dotado de uma imensa bondade, pois lembrava saudosamente do seu antigo senhor, José Ferreira. Em uma passagem, o autor conta uma história onde Fabião rebate uma crítica feita ao seu antigo amo, por não tê-lo mandado à escola quando jovem, ao que o cantador comentou; "meu senhor foi sempre homem de muito tino e ele bem sabia que se me tivesse mandado ler e escrever, quem o vendia era eu".
O final do texto de "Jacinto da Purificação", deixa transparecer um certo receio de fracasso ante a apresentação do poeta, que estava "descolado do seu meio". Colocava entretanto que, "qualquer que seja a sorte da prova que se vai suceder, Fabião para nós será sempre o velho genial".
A festa começou às dezoito horas do dia 24 de dezembro, uma segunda-feira. Um dos paraninfos era o então governador Antonio José de Souza, que estava presente.
Desde cedo começou a afluir uma grande multidão, calculada em torno de 4.000 pessoas. Com um caráter estritamente familiar, a festa mudou o quadro da principal praça da cidade, uma área que normalmente, após as oito da noite ficava deserta. Neste dia estava "exuberantemente iluminada e cheia de vida". O Doutor Varela Santiago, sempre acompanhado de Palmyra Wanderley e de outras organizadoras, seguiam entre as barracas, agradecendo a participação de todos.
Várias barracas estavam pela praça, todas com nomes bíblicos como "Betesda", "Carfanaum", "Jericó" e, apesar do caráter religioso das festividades, o local mais freqüentado foi à barraca chamada "Poço do Jacó", por vender bebidas geladas, principalmente cerveja.
Em locais distintos tocavam as bandas marciais da Polícia Militar e da guarnição do quartel federal, o 29º Batalhão de Caçadores.
Havia várias atividades atléticas, como um torneio de "queda de braço" e um concorrido torneio de bilhar, onde se destacaram os jovens José Wanderley e Francisco Lopes, tendo este último sido o vencedor.
Em um palco armado foram se apresentando os seresteiros, cantores e tocadores da cidade, todos amadores. Uma delas foi a "senhorinha" Edith Pegado, que chamou a atenção de todos por cantar uma cantiga "roceira" chamada "Sá Zabê do Pará".
Mas a atração principal era "Fabião das Queimadas". Ao subir no palco com sua inseparável rabeca, o trovador foi entusiástica e longamente aplaudido e desenvolveu uma apresentação que foi classificada pela "A Republica" como "magnífica", composta de "repentes" e "louvoures", que fizeram o deleite do público natalense naquela noite.
Uma coluna publicada cinco anos depois, por ocasião da morte de Fabião, mostra a repercussão que esta festa teve. Um articulista que assinava simplesmente "R.S." escreveu que "Ainda estamos bem lembrados daquela noite em que promovendo-se nesta capital uma festa, Fabião das Queimadas improvisava chistosos versos, magníficos na sua rudeza e simplicidade". O articulista recordava alguns destes versos, que foram dirigidos aos espectadores mais ilustres, como o governador Antonio de Souza, Henrique Castriciano, Varela Santiago, Palmyra Wanderley e Eloy de Souza. A este último, devido a sua herança negra, Fabião soltou uma quadra que terminava assim; "Se o sinhô num fosse rico, era de nossa famía".
Nos outros dias, poucas notas são divulgadas pela imprensa sobre a quermesse, fazendo esta festa cair logo no esquecimento. Contudo, ao observarmos os detalhes existentes na elaboração e desenrolar desta iniciativa, vemos que as mulheres potiguares, sob o comando com Palmyra Wanderley, conseguiram muito mais do que a nobre causa de angariar fundos para o hospital do Dr. Varela Santiago. Com uma só ação, Palmyra e as outras mulheres, muitas certamente sem nem ao menos perceber o que estavam fazendo, atingiam em cheio aspectos negativos que permeavam a sociedade potiguar da sua época.
Quem busca conhecer com maior profundidade o pensamento da sociedade potiguar do final da década de 10 e início dos anos 20 do século passado, encontra fortes traços de preconceito contra a mulher, machismo, racismo e a pouca referência sobre as camadas populares e suas manifestações tradicionais. Evidente que não seria esta quermesse de Natal de 1923 que mudaria uma sociedade com arraigados e antigos valores, mas iniciativas como esta ajudavam a criar mudanças.
Para Fabião, ao tocar na capital, não fez nada diferente do que estava acostumado a fazer nas casas e nas feiras dos povoados do sertão, e nem poderia ser de outra forma. Fabião cantou a sua idéia de Mundo, as coisas da sua terra, da sua gente, trazendo para Natal, através dos seus versos, o que ele conhecia do sertão e assim se perpetuando na nossa memória.
Fabião das Queimadas morreu em 1928, aos sessenta e oito anos, de tétano, em uma pequena fazendola de sua propriedade, chamada "Riacho Fundo", próximo a Serra da Arara e ao Rio Potengi, na atual cidade de Barcelona (RN).

Fonte: Overmundo

A história de um dos maiores poetas potiguares que viveu e está sepultado em Barcelona
por Adriano Costa
Fabião Hermenegildo Ferreira da Rocha, popularmente conhecido por Fabião das Queimadas nasceu em 1848, na fazenda Queimadas município de Santa Cruz. Depois a fazenda pertenceu aos atuais territórios dos municípios de São Tomé e Barcelona. Com a criação do município de Lagoa de Velhos em 1962, a fazenda passou a pertenceu ao território do novo município. Mas posteriormente, Fabião veio a residir sucessivamente nos municípios de São Tomé, Sítio Novo e finalmente em Barcelona.

O folclorista Câmara Cascudo, no seu livro "Vaqueiros e Cantadores", descreve-lhe o tipo físico do poeta. Ele era um negro baixo, entroncado, robusto, de larga cara "apratada" e risonha, nariz de congolês. Tinha os olhos tristes de escravo, conservava a dentadura intacta e um bom - humor perene.
Nascido escravo, o notável poeta pertenceu ao major José Ferreira da Rocha, nas Queimadas das férteis terras de Lagoa de Velhos. Fabião, começou a vida como agricultor e vaqueiro. Há uma grande suspeita de que o poeta é filho de José Ferreira com uma escrava. Porém, foi encontrado pelo pesquisador Hugo Tavares Dutra na Arquidiocese de Natal, a certidão de casamento de Fabião datada de 17 de novembro de 1881, na qual consta que este era filho de um escravo chamado Vicente. Mesmo assim, a possibilidade do poeta ser filho de José Ferreira não está descartada.
Com dez anos o poeta já cantava. Aos dezoito anos de idade, o poeta não se conteve e com algumas economias que fez no trabalho da agricultura, juntando dinheiro vendendo couro de animais, mel, legumes e frutas que plantava conseguiu comprou uma rabeca, pois essa rabeca passava a ser um instrumento não musical, mas com ela saiu cantando e tocando suas toadas e seus repentes pelas vaquejadas, pelas casas e povoados simples de sua região. Note o amor com que o poeta dedica esta redondilha ao seu instrumento:
"Essa minha rabequinha
É meus pés e minhas mãos
É meu roçado me mio
Minha pranta de feijão
Minha criação de gado
Minha safra de algodão."
Com esse propósito o poeta conseguiu ganhar dinheiro o suficiente para comprar a sua própria liberdade por 800$000 (oitocentos mil réis) e posteriormente a de sua mãe Antônia por 100$000, Antônia e de uma sobrinha, Joaquina Ferreira da Silva por 400$000, conhecida como "Sinhaninha" com a qual o poeta casou e tiveram quinze filhos.
"Quando forrei minha mãe
A lua saiu mais cedo
Pra clarear o caminho
De quem deixava o degredo"
Ao dizer "forrei" o poeta faz uma referência à compra da carta de alforria de sua mãe com o dinheiro que ganhava tocando rabeca.
Para se ter uma idéia da facilidade com que o poeta versificava de improviso sabe-se que num dia de chuva em Barcelona o poeta fazia compras no armazém de Oscar Marinho de Carvalho. Como as embalagens eram de papel, ele resolveu esperar a chuva passar. O comerciante então lhe fez um desafio prontamente aceito pelo poeta - Fabião, diga-me uns versos que terminem com "adeus minhas encomendas que você pode levar sua feira de graça. Fabião tirou o seu chapelão e olhando para a chuva que caia lá fora recitou algo que até a criação da PORTAL VIRTUAL BARCELONA permanecia inédito:
"Numa chuva com relâmpago,
Não há trovão que não gema
Nosso patrão tá dizendo:
Adeus minhas encomendas".
Considerado o primeiro rabequeiro de que se tem notícia no Rio Grande do Norte, Fabião era figura conhecida no interior do Estado, Fabião das Queimadas não era cantador de feiras. Cantava na casa dos amigos e dos ricos, com ou sem remuneração alguma. Tinha verdadeira paixão pelas vaquejadas. Era uma espécie de repórter. Gostava de acompanhar os vaqueiros na captura de um barbatão e assistia a uma vaquejada observando atentamente todos os lances para melhor se inspirar nos seus bonitos versos. Sabia contar todos os acidentes ocorridos e, como era bom poeta ee cantador, encarnava-se no cavalo ou na rês. Além dos chamados romances da literatura de cordel, também gostava de fazer trovas de improviso. Usava habitualmente um inseparável chapéu de couro, símbolo do vaqueiro nordestino.
Fabião tinha uma verdadeira admiração pelo famoso cavalo Castanho da fazenda Divisão, encravada no município de São Paulo do Potengi. Contam que, ao saber da morte do "Castanho da Divisão", encarnou-se no animal e disse de improviso a seguinte trova:
"Gostei de correr o gado
Quando eu tinha boa esteira.
Novilha, boi, vaca e touro
Pra mim não tinham carreira".

Conta Sátiro Adelino Dantas que,nos idos de 1920, o poeta do Potengi resolveu fazer uma visita ao coronel José Bezerra de Araújo Galvão, o todo-poderoso coronel Zé Bezerra da Aba da Serra. 0 coronel não se encontrava em Currais Novos. Estava invernando na famosa fazenda Aba da Serra. Fabião não perdeu tempo. Viajou imediatamente até o solar do velho patriarca do Seridó. Lá chegando, foi recebido fidalgamente pelo coronel e seus familiares. Conversa vai, conversa vem, lá pras tantas um amigo do coronel solicitou ao poeta fazer um elogio em versos ao coronel José Bezerra. Fabião, então, improvisou a seguinte sextilha:
"Aqui na Aba da Serra
Não é pra ninguém subir.
Só se fôr de Currais Novos,
Ou então do Acari,
Ou Fabião das Queimadas,
Poeta do Potengi."
Câmara Cascudo convidou o poeta para fazer um passeio. Através do folclorista, o poeta conheceu muita gente importante da capital e no interior. Pessoas como o governador Ferreira Chaves e Eloi de Souza. Este último, grande admirador da inteligência e dos versos inspirados do poeta popular. Eloy providenciou que fosse tirada uma foto do poeta, que hoje é sua única foto conhecida. O poeta dos vaqueiros foi estudado por Ariano Suassuna e Orígenes Lessa, além de ter sido musicado por Antônio Nóbrega.
Em 1910, Alberto Maranhão (1872 - 1944) era governador do Rio Grande do Norte e estava invernando na sua fazenda Cachoeira, localizada no atual município de São Paulo do Potengi. 0 governador era um homem enamorado da poesia. O poeta chegou a cantar até no Palácio do Governo. Fabião era quase vizinho do Alberto Maranhão, pois sua pequena propriedade Riacho Fundo ficava a poucos quilômetros da fazenda Cachoeira.
Certo dia, Fabião das Queimadas apareceu para fazer uma visita a Alberto Maranhão. 0 anfitrião solicitou a Fabião que cantasse alguns romances sertanejos. 0 poeta atendeu de imediato a solicitação do governador. Acompanhando-se da sua famosa rabeca, cantou alguns romances. Depois, passou a declamar quadrinhas.
Outra vez, também na residência oficial do Governador, saudou com esta quadra o Senador Elói de Sousa, um dos grandes vultos da política de então, o qual não se envergonhava do sangue negro que lhe corria nas veias:
"Seu doutô Elói de Sousa,
Minha mãe sempre dizia,
Se o senhô não fosse rico,
Era da nossa famia."
Fabião tinha muita estima por seus filhos. Filipe Ferreira da Silva, ou Filipe Fabião, e Fabião Filho, ou Fabião Novo. O primeiro dedicou-se desde muito moço ao trato com a terra. O segundo era o caçula da família. Fabião Filho era um menino vivo, inteligente e despontava alguma vocação poética O velho Fabião tinha esperança de que o seu caçula fosse um dia o seu substituto na arte da poesia. Tanto que uma vez fez a seguinte trova:
"Eu sou o Fabião véio,
Divertimento do povo;
Morrendo Fabião véio,
Vai ficá Fabião novo."
Para decepção do velho poeta. Fabião Filho começou a apresentar sintomas de loucura, doença que progredia cada vez mais. Doente e acabado, esperando a visita da morte a qualquer momento, Fabião das Queimadas fez o seu último verso em sextilha, cujo teor é o seguinte:
"Quando ouvirem falá
Que Fabião véio morreu,
Todos pode acreditá
Que a semente se perdeu:
De muitos fio que tive
Nenhum saiu que nem eu".
Encontro entre Fabião das Queimadas e Castro Alves alguma relação. Fabião nasceu escravo em 1848 e foi o poeta dos vaqueiros. Castro Alves, nascido em 1847, foi o poeta dos escravos. A instrução e os anos de vida é que foram muito diferentes entre os dois. Fabião, quase analfabeto, morreu com 80 anos. Castro Alves, estudante de Faculdade, tinha apenas 24 anos ao falecer.
Fabião das Queimadas morreu aos 80 anos de idade, em 1928, na sua pequena propriedade chamada Riacho Fundo em Barcelona vitimado pelo tétano quando se feriu num espinho de macambira quando viajava montado em um burro. O poeta está enterrado no cemitério local de Barcelona. Fabião Filho continuou a definhar e, pouco tempo depois, também morreu. Tinha 26 anos de idade.
Fabião das Queimadas deixou inúmeros romances sobre bois e cavalos de sua região, como A Vaca Malhada e o Boi Mão de Pau, dentre outros que ele cantava e sempre acompanhado da sua inseparável rabeca.
Nas suas cantorias sempre repetia o seu "Redondo, Sinhá", que era uma espécie de coro. Em determinados versos, também servia de prefixo. Fabião era analfabeto, por isso gostava de ditar para alguém escrever versos ou quadrinhas de sua autoria. Calcula-se que tenha extraviado 90% de sua produção. É lamentável, mas infelizmente o folclore do Rio Grande do Norte muito perdeu da literatura de cordel do famoso poeta dos vaqueiros.
Fiel ao ditado que diz que santo de casa não obra milagre Fabião, um dos maiores poetas populares do Brasil, não tem nada em sua homenagem em Barcelona. Nenhuma rua, praça, biblioteca ou escola.
Fonte: Portal Virtual de Barcelonoa - RN

A morte do touro mão de pau
"À memória de meu pai que tendo  sido assassinado também preferiu a morte à desonra, a 9 de outubro de 1930"

Corre a serra Joana Gomes
Galope desesperado:
Um Touro se defendendo,
Homens querendo humilhá-lo,
Um touro com sua vida,
os homens em seus cavalos.
Cortava o gume das pedras
Um bramido angustiado ,
Se quebrava nas caatingas
Um galope surdo e pardo
E os cascos pretos soavam
Nas pedras de Fogo alado,
Enquanto o clarim da morte,
Ao vento seco e queimado,
Na poeira avermelhada
Envolvia os velhos cardos.
Os negros cascos soavam
Em chamas de fogo alado!
Rasgavam a serra bruta
Aboios mal arquejados
E, nas trilhas já cobertas
Pelo pó quente e dourado,
Um gemido de desgraça
Um gemido angustiado:
- "Adeus, Lagoa dos Velhos,
Adeus, vazante do gado!
Adeus, serra Joana Gomes
E cacimba do Salgado!
O touro só tem a vida:
Os homens tem seus cavalos".
O galopar recrescia. 
 Brilhavam Ferrões farpados
E algemas de baraúna
Para o touro preparados.
Seu Sabino tinha dito:
- "Ele há de vir amarrado"!
Miguel e Antônio Rodrigues
De guarda-peito e encourados,
Na frente do grupo vinham,
Montados em seus cavalos
De pernas finas, ligeiras,
Ambos de prata arreados.
E, logo à frente, corria
O grande touro marcado
Manquejando sangue limpo
Nos caminhos mal rasgados,
Cortadas as bravas ancas
Por ferrões ensangüentados.
A serra se despenhava
Nas asas de seus penhascos
E a respiração fogosa
Dos dois fogosos cavalos
Já requeimava, de perto,
As ancas do manco macho
Quando ele, vendo a desonra,
Tentando subjugá-lo,
Mancando da mão preada
Subiu num rochedo pardo:
Num grito, todos pararam,
Pelo horror paralisados,
Pois sempre, ao rebanho, espanta
Que um touro do nosso gado 
 Às teias da fama-negra
Prefira o gume do fado.
E mal seus perseguidores
Esbarravam seus cavalos,
Viram o manco selvagem
Saltar do rochedo pardo:
Houve um grande torvelinho
De terno olhar assustado
E de aspas enfurecidas
Reviradas para o alto.
E o touro lançou seu último
Bramir de morte encrespado:
_"Adeus, Lagoa dos Velhos!
Adeus, vazante do gado!
Adeus, serra Joana Gomes
E cacimba do Salgado!
Assim vai-se o touro manco,
Morto mas não desonrado"!
Silêncio. A serra calou-se
No poente ensangüentado.
Calou-se a voz dos aboios,
Cessou o troar dos cascos.
E agora, só, no silêncio
Deste Sertão assombrado,
O touro sem sua vida,
Os homens em seus cavalos.  
 
 
Ariano Suassuna
( baseado nos versos de Romance do boi mão de pau de Fabião das Queimadas ) 

A MORTE DE FABIÃO DAS QUEIMADAS
Por Luiz Antonio Simas
O poeta Fabião das Queimadas, ex-escravo, analfabeto, rabequeiro e cantador, imaginou, na hora da morte, estar assistindo aos vaqueiros Miguel e Antonio Rodrigues perseguirem o Manco Macho, touro mão-de-pau, valente e valoroso gado:
Corre a Serra Joana Gomes
galope desesperado:
um touro se defendendo,
homens querendo humilhá-lo,
um touro com sua vida,
os homens em seus cavalos.
E Fabião viu os vaqueiros, cumprindo a ordem de Seu Sabino, preparando ferrões farpados e algemas de baraúna para prender o touro brabo. E viu quando o bicho, manquejando ensanguentado, com as ancas rasgadas pelos ferrões, desafiou os perseguidores:
A Serra se despenhava
nas asas de seus penhascos
e a respiração fogosa
dos dois fogosos cavalos
já requeimava, de perto,
as ancas do Manco macho
quando ele, vendo a desonra,
tentando subjugá-lo,
mancando da mão preada
subiu num rochedo pardo.
E o touro brabo era Frei Caneca, Tiradentes, Delmiro Gouveia, Carlos Mariguela, Sepé Tiaraju, Pedro Ivo, João Candido... Num grito todos pararam,
pelo horror paralisados,
pois sempre, ao rebanho, espanta
que um touro do nosso gado
às teias da fama-negra
prefira o gume do fado.
E mal seus perseguidores
esbarravam seus cavalos,
viram o Manco selvagem
saltar do rochedo pardo.
E Fabião das Queimadas percebeu, nos silêncios da indesejada das gentes, que o touro brabo era ele, o poeta das vaquejadas, o escravo de seu Zé Ferreira, o homem que comprou, cantando, sua liberdade. E Fabião cantou, como o Manco no rochedo pardo:
"-Adeus, Lagoa dos Velhos!
Adeus, vazante do gado!
Adeus, Serra Joana Gomes
e cacimba do Salgado!
Assim vai-se o touro manco,
morto mas não desonrado!"
E na hora das incelenças, ouviu-se, no lamuriar das carpideiras, um aboio longo, comprido, de vaqueiro triste, anunciando que o poeta Fabião das Queimadas, cantor do povo, rabequeiro de feira, tinha finalmente encontrado seu Touro brabo, de olhar incendiado, no Orum misterioso das almas valentes:
Silêncio. A Serra calou-se
no poente ensanguentado.
Calou-se a voz dos aboios,
cessou o troar dos cascos.
E agora, só no silêncio
desse Sertão assombrado,
o Touro sem sua vida,
os homens em seus cavalos.
ps: Fabião Hermenildo Ferreira da Rocha, o Fabião das Queimadas, morreu ao oitenta anos de idade em Santa Cruz, Rio Grande do Norte, no ano de 1928. Poeta maior da sua gente, deixou obra assombrosa sobre vaquejadas e romances de gado. A Morte do Touro Mão-de-Pau é seu canto mais famoso, tendo sido , inclusive, recriado pelo mestre Ariano Suassuna. Meus respeitos e minha vela de sete dias no altar da pátria ao poeta do povo.
Fonte: Histórias do Brasil

Fonte: http://www.onordeste.com/onordeste/enciclopediaNordeste/index.php?titulo=Fabi%C3%A3o+das+Queimadas&ltr=f&id_perso=1361